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A Magia do Espelho: Uma escola base não basta

A Magia do Espelho

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Uma escola base não basta

Não gosto de me manifestar muito sobre esses casos de crimes polêmicos cobertos excessivamente pela mídia, pois qualquer opinião é muito delicada e pode ser taxativa demais e causar ainda mais polêmica.

Acontece que minha indignação chegou a um ponto tal com relação à cobertura que a imprensa fez e está fazendo do caso Eloá que resolvi desabafar aqui para ver se me sentia um pouco melhor.

São tantos erros e absurdos que eu nem sei por qual começar. Acho que posso começar dizendo que, como jornalista, me sinto completamente envergonha pela imprensa brasileira que voa como urubus famintos em cima de cadáveres inocentes e tem como única preocupação matar a fome insaciável de audiência. A mídia parece esquecer que seres humanos estão enfrentando essas situações tão tristes, que existem famílias abaladas e sofrendo e que a imprensa não é juiz e, por tanto, não deve emitir nenhum julgamento e muito menos fazer com que inúmeras pessoas acreditem nesse julgamento.

Se ligarmos a TV hoje, vamos assistir a um show de acusação contra a polícia e programas inteiros dedicados a provar que a polícia errou no caso Eloá. Se a polícia errou ou acertou não sou eu quem vai dizer isso, o que posso dizer é que tenho certeza que ela fez tudo que podia para tentar evitar esse fim trágico que resultou na morte de uma jovem de 15 anos. Acho que a ação deve ser investigada e que se a polícia agiu de forma errada ela sofra uma punição por isso. Também acho importante que os “erros” cometidos pela polícia sejam divulgados para que cada um de nós possa cobrar do governo treinamento adequado para os policiais. No entanto, é preciso não esquecer que a polícia é formada por seres humanos que, como qualquer outro ser humano, são passíveis de erros.

Quero deixar claro que este artigo não é para defender a polícia, mas para refletir sobre a cobertura da imprensa brasileira neste caso e sobre as acusações que a mídia está fazendo à polícia. Seria ótimo se tudo isso fosse motivado pela intenção real de fazer o Governo e as pessoas refletirem sobre a qualidade da polícia brasileira. No entanto, na maioria dos casos o que a imprensa quer é conseguir audiência através do sensacionalismo.

Seria maravilhoso se a imprensa brasileira agisse dessa forma com o seu próprio trabalho. Se passasse semanas dedicando a programação inteira para discutir os erros da imprensa, as vidas que ela arruinou por conta de matérias mal apuradas e julgamentos errados. Mas não, pois os jornalistas são os intocáveis, nunca erram, NUNCA MESMO! Se por acaso admitem o erro, fazem questão de escondê-lo até a morte, afinal, não é interessante para eles divulgarem os próprios erros, pois as pessoas precisam acreditar que eles são confiáveis, que não erram nunca e que sabem de tudo.

Não vi nenhum programa discutindo, por exemplo, a atitude da apresentadora Sônia Abrão, que não só deu espaço para o seqüestrador e assassino Lindemberg, melhor dizendo, “querido”, falar na televisão, como também negociou o fim do seqüestro com ele. A atitude dessa jornalista e da produção do programa “A tarde é sua” só deu mais confiança ao Lindemberg, afinal, a preocupação dos repórteres era com ele, não com as vítimas. Assim, ele passou a se sentir um astro acima do bem e do mal.

Sim, a apresentadora Sônia Abrão se julga muito mais preparada para negociar o fim de um seqüestro do que os policiais do de Ações Táticas Especiais (Gate), que estavam cuidando do caso e que devem ter recebido um treinamento especial para lidar com esses casos.

Em nenhum momento eu vi algum programa de televisão o questionamento sobre a atitude da mídia nesse caso. Ninguém fala sobre isso. Ninguém questiona se é certo dar espaço para bandido na televisão, se é certo querer fazer o trabalho da polícia, se é certo invadir a privacidade da família, se é certo julgar a polícia, se é certo ficar fazendo matérias e mais matérias com o único intuito de mostrar que a polícia errou e, com isso, alavancar a audiência.

É triste, muito triste, ver que jornalistas como a Sônia Abrão se acham tão superiores e intocáveis a ponto de se envolverem em casos como esses e se acharem capazes de fazer o trabalho da polícia. No mínimo, ela deve achar que esse tipo de trabalho pode ser feito por qualquer pessoa e que ela certamente o faria melhor do que a polícia. Mas negociar com seqüestrador não é para qualquer pessoa, não é conversa de comadre nem conselho de tia velha e pretensiosa.

A imprensa faz questão de manter silêncio sobre isso, de esconder os seus erros, de colocar o lixo embaixo do tapete e de enganar a população. Sim, é isso que muitos dos que se dizem jornalista fazem: enganam a população. Acham que liberdade de imprensa é você sair por aí falando o que bem entende sobre quem quiser. Onde está a responsabilidade sobre as informações? Onde está o respeito aos seres humanos? Onde está a ética? Infelizmente, muitos jornalistas esqueceram para sempre de tudo isso.

O que se vê hoje na TV, na internet e nos jornais impressos é uma enxurrada de matérias querendo a todo custo mostrar que a polícia errou do começo ao fim do caso e que ainda agrediu fisicamente o assassino Lindemberg. Entrevistam peritos e fazem de treinadores da Swat verdadeiros heróis com o único objetivo de mostrar que a polícia errou.

A fome insaciável pela audiência faz com quem os jornalistas-urubus não respeitem a dor e o luto alheio e invadam a privacidade de uma família que já está sofrendo bastante com a morte da filha e que não precisa de acusações contra o pai. Que fique claro que não estou defendendo ninguém, acho que cada um deve pagar pelos crimes que cometeu, mas não é papel da imprensa fazer julgamentos nem acusações e é lamentável que, além de fazer tudo isso, ainda não tenha respeito nenhum pela dor de uma família e queiram lucrar em cima do sofrimento alheio.

Gostaria muito que a imprensa usasse todo esse empenho para discutir o seu papel na sociedade e a ética jornalística. Dói bastante ver que uma Escola Base só não basta, que a vida de muitas pessoas ainda vão ser arruinadas até o dia (ainda tenho esperanças) em que a imprensa brasileira seja realmente responsável, comprometida com a verdade, com a imparcialidade e com a população.

O caminho para o jornalismo ideal é árduo, mas chegar lá não é impossível. Pra tanto, é extremamente importante que cada um de nós, jornalistas e consumidores de notícias, exercite a criticidade e cobre da imprensa brasileira ética, respeito, imparcialidade e compromisso com a verdade. Precisamos fazer a nossa parte e incentivar todos os nossos conhecidos a fazerem a parte deles também, não podemos nos deixar cegar com o que a mídia quer que acreditemos sem questionarmos. Que o sofrimento causado pela mídia a pessoas inocentes em casos como a Escola Base, Eloá Cristina e tantos outros não seja em vão.

2 comentários:

Guilherme 23 de outubro de 2008 às 01:03  

Eu me identifiquei bastante com teu artigo, Dháfine. Sinto uma angústia muito grande ao saber que tem gente que faz da faculdade desfile e que não leva as aulas de ética em consideração...

Si Faustino 24 de outubro de 2008 às 10:43  

Não, Dháfine. Uma Escola Base nunca é o bastante. Nem um só caso Ibsen Pinheiro, nem uma só capa da Veja sobre a agonia de um cantor com Aids (capa do Cazuza), nem uma só Eloá morta (a Maria da Penha qualificou como feminicídio ao vivo). A falta de ética e profissionalismo da imprensa não tem limite, ainda mais por ser alimentada pela passividade do telespectador.

Fiquei muito triste com o caso, nque nem acompanhei mais intensamente, mas uma coisa me veio à memória: existem jornalistas e jornalistas, o Ricardo Silveira disse uma vez nas nossas aulas de Ética. E eu vejo que é assim mesmo: tem gente que se torna um antes mesmo de decidir entrar na universiade. O que faz esse jornalista são os valores, o caráter. Os do outro tipo podem acumular as experiências que forem, além de um respaldo ilusório. Esses deixam de ser jornalistas aos poucos, cada vez mais se afastando da responsabilidade que realmente nos cabe (que certamente não é julgar nem condenar). E alguns já começam a deixar de ser logo que saem da faculdade, como você viu no caso da cobertura das eleições de Orós.

É uma pena que os que fazem a diferença sempre sejam tão poucos.

Vale a pena ler de novo

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