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A Magia do Espelho: Dividindo o passado

A Magia do Espelho

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Dividindo o passado

O colar, com um pingente prateado em formato de rosa, adquirido na mocidade e já envelhecido, continuava guardado em uma simples caixinha de papelão, onde outros fragmentos do passado de uma vida curta também jaziam. Foi difícil tirá-lo de lá, apossar-me de algo que sempre foi tão dela, sempre foi tão ela. Agora, o colar com o qual eu gostava de brincar quando criança, sempre a contragosto de mamãe, passou a ser meu, mas de uma forma triste demais para as palavras descreverem.

Apesar de simples e de não ter valor material, o valor sentimental do colar deveria ser grande para mamãe, pelo cuidado que ela tinha com ele. No entanto, pela distração das coisas da vida, jamais lhe perguntei a história daquele colar, que hoje, após tantos anos, está comigo, como uma lembrança que guardarei enquanto eu viver.

O colar não foi a única coisa dela que veio para mim após sua precoce partida. O mesmo ocorreu a outros objetos pessoais de mamãe, coisas acumuladas ao longo da vida, a maioria guardada pelo puro apego sentimental. Ela gostava de guardar tudo. Absolutamente tudo que lhe trouxesse alguma recordação, fosse de uma pessoa, de um momento ou de uma fase da vida. Desde papéis e caixinhas de papelão repletas de outras lembranças, até relógios, brincos e artigos de decoração. A maioria sem muito valor material, mas com um valor sentimental inestimável. 

Desde muito cedo, aprendemos que não deveríamos mexer nas coisas de mamãe, algo que realmente a tirava do sério. Esse conhecimento, contudo, deixava-nos ainda mais curiosas na infância. Assim, desobedecíamos a ordem de não mexer nas coisas dela e, consequentemente, trazíamos para nós toda a responsabilidade sobre coisas quebradas, sem bom funcionamento ou mesmo desaparecidas.

Quando crescemos mais, aprendemos a respeitar melhor esses limites. Mesmo assim, até hoje (ou até o fim da vida que um dia eu tive), sempre que ia para casa, uma das coisas que eu costumava fazer era abrir as portas do guarda-roupa de mamãe, em busca de novidades. Mamãe adorava novidades. Eu também.

Abrir as portas do guarda-roupa de mamãe e olhar atentamente, sem mexer em nada, apenas checando se havia algo novo, era praticamente um ritual para mim. Agora, isso nunca mais ocorrerá. Ela não pode mais buscar as novidades desta Terra, nem eu posso mais compartilhar com ela essas pequenas “descobertas”...

Depois de sua partida, alguns motivos nos obrigaram a antecipar a partilha de uma pequena parte das coisas de mamãe, contrariando a nossa vontade de manter as coisas dela exatamente como ela as deixou. Foi difícil mexer nas coisas de mamãe, ficamos com um sentimento estranho, como se estivéssemos contrariando a sua vontade e desrespeitando-a. Mas foi preciso.

Começamos a divisão pelos "paninhos" (risos). Se tinha uma coisa que mamãe gostava era de arrumar a casa, enfeitá-la completamente. Para isso, ela tinha como adereços favoritos toalhas, panos, passarelas e afins. Muitos. Muitos mesmo. Tantos que uma boa parte nunca foi usada. Ao final da partilha, para mim, minhas duas irmãs e meu pai, cada um saiu com uma caixa de “paninhos”.

Além de comprar para ela aos montes, mamãe também adorava presentear as pessoas que ela amava, incluindo as filhas, com toalhas de banho bordadas, passarelas de mesa, conjuntos decorativos para cozinha etc. Assim, sempre brincávamos com ela sobre a história dos “paninhos” e, agora, nenhuma de nós ganhará mais nenhum paninho dela, que ela nos dava com tanto amor.

Também dividimos algumas joias e bijuterias de mamãe. O valor material não foi considerado na partilha, embora tenhamos nos esforçado para manter o equilíbrio da divisão para as três filhas. Cada uma escolheu algo que lembrava mais mamãe.

Uma das minhas irmãs, por exemplo, ficou com um colar de ouro, com um pingente de bonequinha, que minha mãe não tirava do pescoço. Dentre as peças escolhidas pela minha outra irmã, ficou o anel de formatura de mamãe, outra coisa que ela usava sempre. Já eu, além do colar com pingente de rosa, escolhi um brinco prateado e com uma pedra azul que ela me emprestou para uma quadrilha junina quando eu tinha nove anos, o anel de formatura do Curso Normal e outro anel que ela usava sempre, dentre outras coisas.

O dia da partilha magoou ainda mais a nossa ferida e intensificou a saudade de mamãe. Mas também demos boas risadas ao recordarmos alguns momentos que vivemos com ela e imaginarmos como ela estaria se divertindo aos nos ver ali, lembrando fatos engraçados dela. A lembrança da risada de mamãe é muito forte. Ela adorava sorrir.

Depois desse dia, descobrimos outros tesouros sentimentais que mamãe guardou durante toda a sua vida, o que só aumentou a nossa tristeza e saudade. Aliás, à medida que o tempo passa, a saudade e dor são cada vez maiores... Sobre estes outros tesouros, falarei em outro post.

1 comentários:

Janaína Bento 3 de setembro de 2011 às 09:51  

Texto belíssimo, mas sei que ainda mais bela são as lembranças que vc tem e que nunca se irão.

Vale a pena ler de novo

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