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A Magia do Espelho: O "louco", o "mendigo" e a "sociedade"

A Magia do Espelho

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O "louco", o "mendigo" e a "sociedade"

Perdida em meus pensamentos, só fui puxada das profundezas deles quando da entrada daquele ser tão particular, que afugentou meus pensamentos como se eles fossem pássaros. Mesmo que eu quisesse ignorar sua presença e me perder novamente nas minhas reflexões eu não conseguiria, acho que ninguém conseguiria. Ele entrou sem a menor intenção de ser discreto sendo impossível para qualquer passageiro não notar sua presença. Entrou alegre, falante, ébrio, louco. Como quem volta de uma festa insana que não deveria acabar nunca. Seria um estado temporário ou ele era assim mesmo?
Vestido um segundo, com uma camisa branca encardida, bermuda e boné vermelho e sandálias, seu grito de guerra era: “Uh, ó baurim baum ê!”, ou algo parecido, e cantava o tempo todo uma musiquinha que deve ter feito muita gente pensar: “vota no Gondim que ele mata nóis tudim, vota no Moroni que ele mata nóis de fômi”.
A minha primeira sensação foi de medo, pensava que não deveria olhá-lo muito para não correr o risco de ele falar comigo, já que tenho imã para “doidos”. Senti alívio de não estar sentada perto dele, mas, ao mesmo tempo, tentei me colocar no lugar da pobre moça que estava ao seu lado, sem escapatória, sentada ao lado da janela e ele lhe tapando qualquer possibilidade de fuga.
-“Uh, ó baurim baum ê!”,
Logo em seguida, entra no ônibus um menino, não deveria ter nem dez anos direito. Passava de mão em mão um pequeno pedaço de papelão manuscrito com uma letra que tentava ser bonita explicando para quê pedia dinheiro. Mais um de tantos meninos que pedem esmolas e que inventam os mais diferentes jeitos de fazer isso e que, se esse jeito dá certo, acaba padronizando a mendicância. Pensei que naquele momento estava presenciando a existência de mais dois seres marginalizados da sociedade.
-“Uh, ó baurim baum ê!”, “vota no Gondim que ele mata nóis tudim, vota no Moroni que ele mata nóis de fomi”.
O que o homem tinha de chamativo o garoto tinha de discreto, talvez estivesse com medo daquele homem eufórico que lhe pedia para ver o papel e o menino, agora tenho certeza de que por medo, fingia não escutar. Inconformado, o homem perguntava para as outras pessoas o que tinha naquele papel, pedia de novo ao menino para ver, mas ele continuou ignorando-o. Mesmo quando o homem disse que lhe daria umas moedas o garoto não lhe deu ouvidos. E será que alguém daria ouvidos crédulos àquele homem?
Ao tentar abandonar o veículo, o menino foi impedido por um guarda que estava na porta do meio, talvez já o perseguindo. Disse alguma coisa ao menino, talvez que fosse proibido pedir esmolas no terminal, e este fez que não ouviu, calmamente virou as costas e tentou sair pela porta da frente, mas lá estava novamente o guarda. Pensei no que pensava aquele guarda, que provavelmente cumpria seu trabalho, mas que também deveria saber que aquilo, aquelas esmolas, eram o ganha pão daquele menino. Não estou dizendo que sou a favor da mendicância, mas acho que se um menino, uma criança, passa o dia inteiro na rua mendigando não é por escolha própria. Aquele menino é só o resultado de um problema muito mais complicado e que envolve toda a sociedade e o Estado, então, será que é certo descontar todas as nossas frustrações em cima daquele menino e tentar impedi-lo de conseguir dinheiro para se alimentar quando provavelmente ele não teve escolha? Quando talvez seja mais vítima do que vilão?
Pensei nisso e tive um pouco de raiva do guarda, no mesmo instante em que o homem, a quem muitos, inclusive eu, julgaram louco, declarou que gostaria de acabar com aquele guarda. Para sorte do “louco”, ou o contrário, o guarda não o ouviu. Com essa “coincidência” de pensamentos, tirando o fato de que pensei só para mim e de que ele gritou bem alto o que pensava, refleti sobre o que seria ser louco. Será que louco é aquele que não liga para as convenções sociais e que não tem medo de falar o que pensa e fazer o que tem vontade? Se for isso, ou se isso fizer parte da loucura, acho que muita gente queria e deveria ser louca.
-“Uh, ó baurim baum ê!”, “vota no Gondim que ele mata nóis tudim, vota no Moroni que ele mata nóis de fomi”.
O ônibus partiu, a tarde estava clara e se tornava mais animada com a presença daquele homem, que percebendo o burburinho das pessoas comentando suas atitudes ficava ainda mais excitado. A sensação inicial de medo, de não poder olhar, deu lugar ao divertimento, ele estava divertindo a viagem, mas eu ainda tinha receio de sorrir.
De repente, o homem, que não parava de falar, tirou da mochila que carregava um frasco quase vazio de xampu para bebê. Empunhou o xampu como se fosse uma arma e disse que iria atirar em todo mundo, olhou em direção ao cobrador e disse: “passa todo o dinheiro se não eu atiro. Quero o dinheiro para comprar leito pros meus filho”. De repente, se levantou e chegou bem perto do cobrador para tornar a “brincadeira” mais real, não tive coragem de olhar, não quis dar audiência para esse tipo de espetáculo.
A “brincadeira” acabou quando ele descobriu uma garota sentada no fundo do ônibus e começou a cantá-la em alto e bom som:
“-pense numa gata gostosa! Tu é demais! “Uh, ó baurim baum ê!”, “vota no Gondim que ele mata nóis tudim, vota no Moroni que ele mata nóis de fomi”.
Assustei-me quando ele saiu correndo de repente para a frente do ônibus e desceu num impulso assim que o veículo parou. Quando ele saiu, alguns passageiros do ônibus que ficaram o tempo todo calados, começaram a gritar eufóricos: “valeu, maluco!”, “Valeu, maluco!” .
Confesso que, de certa forma, lamentei sua partida, foram cinco minutos muito divertidos, ainda que com momentos de apreensão. Sem “louco”,menino pedindo esmolas, nem nada que chamasse a atenção das pessoas, todos tornaram a mergulhar nos seus pensamentos, como se estivessem realmente sozinhos, e a viagem seguiu seu curso “normal”, previsível e monótono de sempre.

2 comentários:

Si Faustino 17 de junho de 2007 às 22:49  

Tem o cego com voz de locutor, que vende pastilhas Flics.
Tem o menino do "Bom dia, senhoras e senhores, desculpe interromper o silêncio de vocês".
Tem o jovem loiro ex-dependente de drogas que vende canetas e tem sotaque curitibano.
Tem o boliviano que tocava na flauta "Corazón Espiñado".

Tem muita gente. Eles não são notados por nós, que temos R$ 1,60 pra pagar nossa passagem todo dia. Mas um dia eles entram no ônibus repetido e a gente nota e, quem sabe, até dá um bom dia e compra uma jujuba. ;)


Ah, só um conselho: um espaço entre os parágrafos facilita a leitura! =P

Bjim

salamandra mágica 21 de junho de 2007 às 01:18  

Dháfiniiii,
Não reclame que eu não visito seu blog. O meu está às moscas, tá? :p

Sim tem também aquele que fala cantando "Bo-a-noite-se-nho-ras e senhores"
:D
:*

Vale a pena ler de novo

  • A lição final
  • A sangue frio
  • Crônicas de Nárnia
  • George e o segredo do Universo
  • O caçador de pipas
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